Durante enterro do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos, liderança se manifestou sobre acusações de que o grupo é criminoso. Vitor foi velado por mais de 40 horas e enterrado nesta segunda-feira (27), na área da fazenda onde acabou morrendo durante confronto, em Amambai, a 352 quilômetros de Campo Grande.
Segundo Avá Apyká Rendy, foi firmado acordo que permite o enterro de Vitor naquela área. Também ficou combinado que o grupo pode fazer a cerimônia de vigília, para o espírito de Vitor, o que garante que eles estejam na região sem riscos. “Não vamos recuar neste momento desse espaço”, disse.
Questionado sobre as acusações de crimes praticados na aldeia, que chegaram a gerar situação de conflito interno repassado a órgãos estaduais e federais, Rendy alegou “Nós somos famílias, temos filhos, netos, somos pessoas de paz, somos pessoas do bem. Tanto do outro lado, da mesma forma que vocês são pessoas do bem, nós somos pessoas do bem”.
“Somos Kaiowá, Guarani, legítimos da região desde a existência dessas terras. Quero informar que neste momento, quem nos acusa está mal informado a nosso respeito”, disse.
O boletim de ocorrência registrado na Delegacia de Polícia Civil de Amambai dá detalhes sobre o confronto, que aconteceu após uma segunda invasão na fazenda. A gerente administrativa chegou a registrar boletim de ocorrência, informando que os indígenas saíram do local após uma primeira ação da polícia, mas teriam retornado na noite de quinta-feira (23), armados.
Para a Polícia Militar, foi solicitado ao Batalhão de Choque um apoio pela 3ª CIPM (Companhia Independente da Polícia Militar), com a informação de que indígenas armados teriam rendido os caseiros da fazenda. Sob ameaças, eles teriam obrigado os moradores a saírem da propriedade rural, abandonando todos os pertences.
Filmagens mostravam a fazenda já depredada e com focos de incêndio. Em uma primeira incursão, os militares teriam escutado os rojões, que anunciavam aos indígenas a chegada da polícia ao local. Ainda de acordo com relato dos militares, eles viram os indígenas e teriam sido surpreendidos com gritos e objetos arremessados.
Os policiais então agiram com gás lacrimogêneo, dispersando o grupo. Depois, encontraram uma barricada, feita com árvores e troncos cortados. “Equipe foi surpreendida com uma sequência de disparos de arma de fogo, além de armas artesanais, pedras, paus e flechas”, diz o registro.
Os disparos atingiram as pernas dos três policiais militares do Choque, que foram socorridos e encaminhados ao hospital. Os militares então atiraram, segundo eles disparos de munições de elastômero, além do gás lacrimogêneo.
Indígenas feridos também foram encaminhados ao hospital, já sob escolta. Segundo os militares, uma mulher chegou a apontar a arma para eles, que revidaram. Ela correu e teria abandonado a arma de fogo, que foi encontrada posteriormente durante o trabalho da Perícia na fazenda.
Já na manhã do sábado (25), foi repassado para a polícia a informação de que uma suposta liderança indígena teria cooptado indígenas estrangeiros para praticarem ‘crimes de terror e invasões’, sendo apontados como os responsáveis pela invasão à fazenda. Para isso, teriam sido adquiridas ao menos 5 armas de fogo.
Após o confronto, os suspeitos teriam fugido para a aldeia, levando as armas e os bens da fazenda. Há informação ainda de que um representante da Funai (Fundação Nacional do Índio) chegou a ser feito refém ao tentar negociar com o grupo indígena. As equipes policiais se mantiveram na região e a situação foi controlada.
Durante o confronto na tarde da sexta-feira (24), helicóptero da Casa Civil sobrevoou a região, levando apoio policial. A aeronave foi recebida a tiros, sendo que dois disparos atingiram o helicóptero. Segundo os policiais militares, Vitor Fernandes era um dos indígenas que atirava contra a aeronave.
Ele foi atingido por disparos feitos por policiais, levado ao hospital, mas chegou na unidade já sem vida. O corpo do indígena é enterrado nesta segunda-feira, sob forte comoção de familiares, após aproximadamente 40 horas de velório.
Com ele, segundo a polícia, foi apreendido um revólver calibre 38, com 6 munições deflagradas. Um homem de 51 anos ainda foi preso em ação filmada pelos indígenas. Ele portava um revólver calibre 22 e foi ferido a tiro de borracha após supostamente não obedecer ordem policial. Depois, foi preso e levado para a delegacia.
Em um carro, um Corsa, foram encontradas mais armas de fogo também apreendidas, sendo espingardas calibre 28 e uma de calibre desconhecido (cano brocado). Os feridos, a mulher de 22 anos, a de 63 anos, o homem de 31 e o de 51 anos, foram presos no hospital e levados para a delegacia.
Eles respondem pelos crimes de dano, violação de domicílio qualificada se praticada em período noturno ou emprego de arma ou por duas ou mais pessoas, homicídio tentado contra autoridade ou integrante da força nacional de segurança pública e também o porte ilegal de arma de fogo.
O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) se pronunciou, pedindo relaxamento da prisão de três indígenas e ainda a liberdade do indígena de 51 anos. Isso, porque todos negaram envolvimento com a invasão e o confronto, dizendo que apenas estavam naquela região quando foram feridos.
Por falta de provas do envolvimento, os pedidos foram acatados na audiência de custódia. Além deles, adolescentes de 12, 14, 16 e 17 anos também foram apreendidos e depois liberados.
Desde o dia 19 de junho, aldeia indígena de Amambai pede apoio para providências na área de retomada, por questões de conflitos internos. Os problemas antecederam a retomada a uma propriedade rural no dia 23 deste mês e conflito com policiais militares, que resultou na morte do indígena Vitor.
Em um primeiro ofício, datado de 19 de junho, o pedido de apoio é sob alegação de que há situações de agressividade e violência na retomada das terras. “Há muitos menores de idade correndo risco de vida, bêbados e muitos aproveitam o conflito e andam com armas brancas e com facão, lanças, fechando as estradas que a comunidade utiliza”, diz trecho do ofício.
Já no dia 23, marco das primeiras invasões na Fazenda Borda da Mata, ofício foi encaminhado para Funai (Fundação Nacional do Índio), MPF e Sejusp. No pedido, foi reforçada a situação de conflito interno na aldeia.
Ainda foi ressaltado que alguns envolvidos na retomada estavam agindo com agressividade e que deram tiros com armas de fogo em direção à sede da fazenda. “As lideranças temem que os fazendeiros ataquem os indígenas e que saia alguém ferido, pois no local está ficando tenso”.
Foi solicitado novamente apoio e tomada de providência para resguardar a vida dos indígenas. “Declaramos que não compactuamos com esse tipo de violência dentro da aldeia”, cita o documento.
O MPF divulgou no domingo (26) despacho do procurador da república, Marcelo José da Silva, determinando procedimento preparatório para apurar e acompanhar o conflito entre indígenas da aldeia Amambai e as forças policiais locais, no último dia 24. Em um dos trechos do documento, o procurador relata que atendendo a um pedido dele, o secretário da Sejusp, Antônio Carlos Videira, fez contato telefônico e garantiu que a ação policial não se tratava de uma reintegração de posse.
Conforme o documento, o secretário Videira garantiu ao procurador da República, em suma, “que as forças policiais estaduais foram ao local do confronto para coibir crimes praticados por indígenas que ingressaram na sede da Fazenda Borda da Mata e expulsaram os moradores da casa existente no local à força, além de, segundo ele, haver notícia de que tais indígenas praticavam tráfico de drogas e transitavam com armas de fogo, incomodando outros indígenas, dentre eles o capitão da aldeia Amambai. Por fim, frisou que essa atuação policial não foi motivada por reintegração de posse”.
Seguindo, o procurador da República afirma no documento que recebeu várias notícias de indígenas e reportagens correlatas, dando conta de que as forças policiais estaduais buscavam realizar, sim, uma reintegração de posse, sem o necessário mandado judicial e com rigor excessivo.
“Como se vê, há multiplicidade de versões e alegações acerca de fatos extremamente graves, com indicativo da ocorrência de lesões corporais e até morte(s), sendo, de rigor, portanto, empreender diligências para apurar a verdade real, de forma técnica, isenta, sem ideologias e sem favoritismos (seja em prol de indígenas, seja em prol de forças estatais ou particulares), e prevenir, reprimir e punir possíveis delitos de atribuição/competência federal, bem como se fazer o devido encaminhamento de eventuais crimes de âmbito estadual”, declara o procurador no documento.