Sarah* tinha 15 anos quando assistiu a uma palestra na escola sobre violência contra mulher, na qual o pesadelo que viveu por sete anos foi descrito. Na época, ela guardava um segredo a sete chaves e nem sonhava em contar aos pais que o tio com quem eles a deixavam enquanto iam parar o trabalho a estuprava. Não só ela, mas outras duas primas. A segunda vítima do autor era uma enteada. A terceira, outra sobrinha dele. As meninas tinham, na época, entre cinco e seis anos.
Quatro anos depois, Sarah foi informada que o autor dos estupros foi preso na segunda-feira (21). “Parece que eu fiquei esse tempo todo afogando e me puxaram para superfície”, disse Sarah ao Jornal Midiamax sobre quando recebeu a notícia, na última quarta-feira (23). A sensação de alívio parece dar novo sentido 'a vida da jovem, que revelou ter planos até de abrir uma ONG para ajudar mulheres em situação como a que ela e as primas passaram.
Sarah contou que mãe dela era empregada doméstica e que seu pai trabalhava em rodovias. O silêncio sobre as violências que sofria foi selado em seu íntimo, devido ao medo da reação e vergonha pelo que ocorreu. Mas foi quando ela, ainda adolescente, leu uma reportagem que informava que, a partir dos 16 anos, vítimas de abuso sexual podem registrar boletim de ocorrência sem a presença dos pais ou responsáveis. Naquele dia, ela decidiu ir sozinha até a DAM (Delegacia de Atendimento à Mulher) da cidade em que morava para falar pessoalmente com a delegada plantonista.
Ao procurar a delegacia, a garota expôs seu calvário, e também contou o que as outras duas meninas sofreram, até aquele momento, não tiveram a mesma coragem para denunciar. No dia seguinte, Sarah revelou detalhes e contou para seus pais, que contaram tudo para a esposa do estuprador, irmã da mãe de Sarah. A revelação dos estupros escancarou uma ferida familiar: a maior parte ficou do lado do tio. Os pais, de quem Sarah temia a reação, a acolheram, assim como alguns amigos e seus professores.
Na escola, quando boatos se espalharam, Sarah deixou de frequentar as aulas e passou a fazer as atividades com apoio dos professores, em casa. “Nesses dois anos que ele ficou foragido, eu me privei de muita coisa. As pessoas me julgaram, eu chegava na porta da escola e começava a chorar. Não fiz o 3º e o 4º bimestre porque não aguentava os comentários”, afirma. Sarah relata que, além da coragem para denunciar, também precisou suportar o afastamento repentino da família. “A esposa dele falou que eu acabei com a nossa família e com a vida dela. Eu acabei? Nunca nenhuma de nós vamos esquecer isso”, pontua.
Atualmente, Sarah se dedica à vida universitária e trabalha em um salão de beleza. No seu espaço de trabalho, ela escuta com frequência histórias semelhantes a sua. Foi daí que surgiu a ideia de abrir uma ONG (Organização Não Governamental) para que crianças vítimas de violência consigam apoio emocional e tenham a mesma coragem que ela para denunciar. “Os únicos que confiaram em mim foram os professores, e eles percebiam que eu não estava bem. Deve ter algum motivo das clientes confiarem em mim para contar as histórias no salão”, relata.
"Pulei de alegria", disse Sarah, quando soube da prisão do tio foragido pelos estupros - talvez por ver que a impunidade não venceria daquela vez. Talvez por saber que quebrar seu silêncio rompeu um ciclo de violência que certamente continuaria com outras vítimas. junto às outras vítimas.
A criação da ONG ainda precisa de planejamento, mas ganhou força com a notícia da prisão de seu algoz. Sarah promete tentar usar sua história para incentivar outras mulheres a não se calarem. “Quando eu contava tudo o que passei as pessoas se comoviam. Mas, o fato dele não ter sido preso na época, parecia que tudo o que eu passei havia sido em vão. Espero que outras mulheres vejam isso e que não fiquem com medo de avisar a polícia”, diz.
Estupro é a palavra que descreve o ato de violência sexual, o ato sexual forçado e sem consentimento da vítima. Estupro é só uma das palavras que emergem à mente quando meninas como Sarah revivem as lembranças nefastas. Os anos sete anos de terror vividos por Sarah se confunde com muitas outras histórias, de muitas outras mulheres.
Na madrugada da quinta-feira (24), outra mulher de 54 anos também esteve no inferno e viveu as mesmas dores de Sarah e das primas. No interior de sua própria casa, ela foi violentada sexualmente e espancada por um homem. Atualmente, com traumatismo craniano, ela recebe cuidados médicos em Campo Grande.
Histórias como essas seguirão nas páginas dos jornais enquanto as vítimas não romperem os cadeados do medo e denunciarem. Mas as denúncias surgem: do dia 1º de janeiro deste ano até ontem, foram registrados 85 casos relacionados à pedofilia em Mato Grosso do Sul, segundo dados da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública). Já os casos de estupro somam 732, no mesmo período, e 613 de estupro de vulnerável – crianças menores de 14 anos.
Na Capital, a Depca (Delegacia Especializada de Atendimento à Criança e ao Adolescente) atende vítimas fazendo o registro de boletins de ocorrência, além do acompanhamento psicológico, além da Deaij (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude). Aos finais de semana, a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) funciona em regime de plantão, 24 horas, e também acolhe casos de estupro de vulnerável.
No interior, as DAMs (Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher) são as responsáveis pelas investigações de casos de estupro, e acolhimento das vítimas.
AQUIDAUANA: DELEGACIA DE ATENDIMENTO À MULHER (DAM)
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DOURADOS: DELEGACIA DE ATENDIMENTO À MULHER (DAM)
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NAVIRAÍ: DELEGACIA DE ATENDIMENTO À MULHER (DAM)
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