Apesar de moderar levemente os ganhos ao longo da tarde, o dólar encerrou o dia em alta firme no mercado doméstico, destoando do sinal predominante de baixa da moeda americana no exterior. Dados de inflação nos EUA em linha com o esperado sugeriram espaço para corte de juros pelo Federal Reserve neste ano e levaram à redução das taxas dos Treasuries.
Além do aumento crescente de prêmios de risco locais associados à taxa de câmbio, diante da percepção de piora do quadro fiscal e de desancoragem das expectativas de inflação, questões técnicas ajudam a explicar o tombo do real hoje. Operadores citam a disputa pela formação da última taxa ptax de maio, na primeira etapa de negócios, e a rolagem e a cobertura de posições típicas de fim de mês.
Com máxima a R$ 5,2585, o dólar à vista encerrou a sessão desta sexta-feira, 31, em alta de 0,81%, cotado a R$ 5,2508, maior valor de fechamento desde 16 de abril (R$ 5,2688). Em razão dos ganhos de 1,60% nesta semana, a divisa encerra o mês com valorização de 1,13%.
O real apresentou hoje e em maio o pior desempenho entre as divisas emergentes e de países exportadores de commodities relevantes. Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma desta de seis divisas fortes, o índice DXY terminou a semana com ligeira queda e acumulou baixa de mais de 1,5% no mês.
O economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, afirma que há uma “certa indigestão disseminada” em relação aos ativos domésticos que prejudicou o real ao longo de maio. Borsoi atribui o mau humor do mercado a um combo formado por números fiscais recentes abaixo do esperado, piora das expectativas de inflação, que deve ser reforçada pelo Boletim Focus na segunda-feira, e ruídos em torno da condução da política monetária.
“Boa parte da pressão no câmbio hoje se deveu à Ptax e à liquidez reduzida. Teve um grande player internacional remetendo recursos, o que deu uma distorcida na taxa”, afirma Borsoi. “Independentemente da questão da Ptax, não tinha espaço para o real melhorar em relação aos pares com essa indigestão com os ativos domésticos”.
No exterior, o indicador mais aguardado na semana, o índice de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) veio em linha com o esperado em abril (0,3%). Já o núcleo – que exclui itens voláteis como alimentos e energia – subiu 0,2%, abaixo do esperado (0,3%). Ontem, foi divulgado que a segunda leitura do PIB do EUA no primeiro trimestre mostrou alta de 1,3% (taxa anualizada), enquanto a expectativa era de avanço de 1,6%.
Monitoramento do CME Group mostra que as chances de o Fed reduzir os juros em setembro estão pouco acima de 50%. Houve leve avanço das apostas em corte total de 50 pontos-base da taxa básica neste ano, mas uma redução de 25 pontos-base ainda segue sendo a mais provável.
Para o economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, a tendência é de uma perda de força global do dólar ao longo de junho, com dados de inflação nos EUA e atividade mais amenos reduzindo a pressão sobre as taxas dos Treasuries.
“Moedas de países emergentes como o Brasil tendem a se beneficiar. Obviamente, as questões domésticas, principalmente as incertezas fiscais, limitam o processo de apreciação do real”, afirma Costa, que vê a taxa de câmbio oscilando na faixa entre R$ 5,10 e R$ 5,15 ao longo de junho. “Tivemos um fechamento de maio com maior pressão sobre o real, mas, do ponto de vista dos fundamentos, faz sentido um câmbio mais apreciado”
Segundo o economista-chefe da Monte Bravo, as sinalizações mais duras do Banco Central, com possibilidade até de interrupção do processo de corte de juros em junho, podem favorecer a moeda brasileira, ao manter um diferencial de juros interno e externo atraente para os investidores. “As taxas de juros estão com bastante prêmio e podem favorecer investimentos em renda fixa”, diz.
Para Borsoi, da Nova Futura Investimentos, a atratividade das operações de carry trade é comprometida neste momento pela “reprecificação” dos ativos domésticos em razão do aumento da percepção de risco em torno da política econômica do governo Lula. “Isso quebra a correção tradicional entre manutenção de juros mais altos e apreciação do câmbio”, diz.