O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) apresentaram pedido à Justiça Federal para que seja realizada a imediata execução da decisão que condenou a mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton ao pagamento de R$ 47,6 bilhões em danos morais coletivos pela tragédia ocorrida em 2015.
Na ocasião, uma barragem localizada na zona rural de Mariana (MG) se rompeu, liberando uma avalanche de rejeitos que causou impactos em dezenas de cidades mineiras e capixabas, ao longo da bacia do Rio Doce.
As mineradoras reconheceram 19 mortes no episódio. Um mulher que estava grávida e que abortou após ser arrastada pela lama busca na Justiça o reconhecimento do seu filho como a 20ª vítima da tragédia.
A condenação das mineradoras pelo dano moral coletivo foi decidida em janeiro desse ano pelo juiz federal Vinícius Cobucci. Ele definiu que os R$ 47,6 bilhões deveriam ser usados exclusivamente nas áreas impactadas. As mineradoras apresentaram recursos.
O pedido de execução, divulgado pelo MPF na sexta-feira (17), também foi assinado pelos ministérios públicos e pelas defensorias públicas de Minas Gerais e do Espírito Santos. As seis instituições de Justiça consideram ainda que, com atualizações monetárias, as mineradoras deverão pagar quase R$ 100 bilhões.
Para o MPF e demais autores do pedido, é preciso considerar a extensa duração do processo. “A passagem do tempo é absolutamente irremediável para a coletividade atingida: irradia desamparo, envelhecimento, perda de faculdades (físicas, laborais, mentais, relacionais), morte e, no que diz respeito à degradação ambiental, perda de possibilidades de recomposição da fauna e flora”, registra o pedido endereçado ao juízo.
“Jamais se discutiu a responsabilidade civil das empresas pelos danos relacionados ao desastre, mas, sim, tão somente a extensão desses danos e quais pessoas foram efetivamente afetadas. O que se coloca em discussão é somente a exata dimensão dos danos e, consequentemente, a quantia que deverá ser despendida em indenizações e as pessoas que serão contempladas.”
Também foi apresentada nova solicitação para que seja dada sentença referente aos danos envolvendo os direitos individuais homogêneos. O juiz Vinícius Cobucci já negou um primeiro pedido em janeiro desse ano. O magistrado avaliou que não foram indicadas categorias de grupos atingidos e nem provas que atestam a relação entre a tragédia e o dano de cada uma dessas categorias.
Ele também indicou a necessidade de se estabelecer parâmetros e procedimentos para posterior identificação das vítimas e fixação de um método para o cálculo indenizatório.
Os danos envolvendo os direitos individuais homogêneos são apenas parte dos danos individuais associados à tragédia. Eles se referem às violações ocorridas em um único evento, que atingiram diversas pessoas individualmente ao mesmo tempo e da mesma forma. Não incluem assim situações diferenciadas vivenciadas de forma particular por uma determinada vítima. Para as seis instituições, houve danos incontroversos, não havendo dúvidas quanto à existência do dever de indenizar.
No novo pedido, DPU, MPF e as defensorias e ministérios públicos dos dois estados afetados indicam algumas referências para as indenizações individuais, entre elas o diagnóstico e matriz indenizatória que foram produzidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
As instituições de justiça também sugerem que devem ser contempladas pessoas físicas e jurídicas que tiveram atividades produtivas e econômicas impactadas, que sofreram violação aos direitos fundamentais e sociais ao trabalho e à alimentação adequada, que tiveram casas e quintais invadidos pela lama e que sofreram interrupção do abastecimento de água potável.
Os pedidos de condenação apresentados pelas seis instituições de Justiça ocorrem paralelamente a discussões extrajudiciais sobre o processo reparatório. Passados mais de oito anos da tragédia, o modelo implementado é alvo de críticas e desde 2022 as partes buscam um novo acordo de reparação. A expectativa é de se chegar a uma repactuação das medidas necessárias, mas até o momento não houve consenso.
Para reparar os danos causados na tragédia, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) foi firmado em 2016 entre o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e as acionistas Vale e BHP Billiton. Com base nele, foi criada a Fundação Renova, entidade responsável pela gestão de mais de 40 programas. O acordo fixou que todas as medidas previstas seriam custeadas pelas três mineradoras.
As negociações voltadas para a repactuação envolvem os governos signatários do TTAC e as instituições de Justiça. Eles buscam um novo acordo capaz de solucionar um passivo de mais de 80 mil processos judiciais acumulados. Há questionamentos sobre a falta de autonomia da Fundação Renova perante as mineradoras, os atrasos na reconstrução das comunidades destruídas, os valores indenizatórios, o não reconhecimentos de parcela dos atingidos, entre outros tópicos.
Uma proposta apresentada no mês passado pelas mineradoras foi rejeitada pela União e pelo governo do Espírito Santo. Samarco, Vale e BHP Billiton sugeriram destinar mais R$ 90 bilhões para as medidas reparatórias. Até então, o máximo que elas haviam oferecido era R$ 42 bilhões.
O aumento do montante ofertado ocorreu cerca de três meses após as mineradoras terem sido condenadas a pagar os R$ 47,6 bilhões pelos danos morais. Um eventual acordo, provavelmente, incluirá ao arquivamento desse processo.
No entanto, a União e o governo capixaba viram retrocesso em relação à proposta anterior, discutida em dezembro de 2023. Além de considerarem os valores baixos para dar conta dos danos morais e materiais, coletivos e individuais, elas afirmaram que foram pleiteadas “condições inadmissíveis” e desconsideradas questões que já haviam sido acordadas.
As mineradoras afirmam que, até dezembro de 2023, já foram destinados R$ 34,7 bilhões às ações de reparação e compensação a cargo da Fundação Renova. Desse valor, R$ 14,4 bilhões teriam sido para o pagamento de indenizações individuais.